quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O texto a seguir havia sido escrito há uns meses atrás e eu me vi obrigada a publicá-lo, assim que soube que Pedro, que parecia um membro da ABL, morreu hoje pela manhã...

Pedro de Lara lá

Prevejo a grande síndrome dos anos vindouros: é a SPL – Síndrome de Pedro de Lara. Para quem não sabe, Pedro de Lara era um jurado de um programa daquele que não é membro da ABL, mas parece imortal, Sílvio Santos. O programa era o “Show de Calouros”, e apesar do nome, não possuía adolescentes pintados pedindo dinheiro, mesmo que um ou outro candidato fosse tão deprimente quanto os calouros acadêmicos. A característica mais marcante de Pedro, além da carência de beleza, era um mau humor inabalável de pessoa que não se surpreende positivamente com nada. Em suma: acha tudo uma merda. Prevejo que os jovens de hoje em dia, com todas essas facilidades de tudo verem, ouvirem, tudo conhecerem, não se abalarão com nada. Conhecerão tudo superficialmente: o “ouvir falar” no lugar do “conhecer”. Nada será suficientemente bom a ponto de digno de um elogio. Seremos velhos rabugentos que raramente sorriem. Teremos constantemente aquela rugazinha do descontentamento na testa. Andaremos por aí com duas músicas de cada banda, duas frases de cada livro, pedacinhos de cada quadro... Tudo baixado pela rapidez da Internet e dissipado com a agilidade cibernética de banda larga. Pedros de Lara lá, aqui e em todo lugar.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Tomando no orkut até a morte

- Poxa, cara... Vinte e cinco anos de amizade... Isso é quase um casamento! Desde os tempos da faculdade de Direito... Nos víamos todos os dias... Desde nosso primeiro porre juntos, até as listas de calouras que comíamos... Desde o companheirismo na saúde e na doença, nos problemas do escritório e das causas vencidas... Os apadrinhamentos de casamento e dos filhos... Os cabelos brancos surgindo lentamente e a barriga crescendo rapidamente... E depois de toda essa vida vivida, você não foi ao meu enterro?!
- Desculpa aí, Pedrão! Mas eu te mandei um scrap, cara!
- Ah tá... É que não tive tempo de abrir orkut depois que morri...
- Então... Fiz até comunidade em sua homenagem!
-Pô, cara.. Tô emocionado...

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Assim espero...

Eu espero. Espero muito. Espero bastante das pessoas. Espero que elas tenham bom senso. Espero que alguém atravesse meu caminho e me conte uma boa história. Espero que alguma criança com toda sua inteligência me ensine algo nos minutos em que vou observá-la. Espero pelas mudanças. Espero pelos sinais que mostrem caminhos. Espero ter onde me focar. Espero pela concretização de planos e de sonhos. Espero que o mínimo acontecimento me faça refletir tanto que me inspire. Espero as inspirações. Aspiro pelas inspirações, esperando que se dêem a partir de meus olhares. Espero que elas me atinjam como flechas que a dor não faz calar até que sejam arrancadas. Enquanto isso, eu espero sentada pelo meu futuro promissor.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Mais uma dose

Estava às vésperas de completar 30 anos e recém saída de uma relação rápida com um homem casado. Fernando era casado com alguém que me fazia amante sem chances de aspirar ao cargo de oficial: o trabalho. Acordava-me com uns sussurros em francês, que seriam românticos se ditos ao pé do ouvido, ainda que eu não entendesse porra nenhuma daquilo: era ele estudando e tornando o francês impecável. Conheci Carlos Alberto um mês depois, numa boate. As amigas investiam em minha volta ao mundo dos solteiros, ainda que eu achasse aquilo tudo muito triste. Enfim cedi, depois de um joguinho de bancar a desentendida e o beijei. Fomos conversar e foi então que descobri: 21 anos. Fiquei estarrecida, mas vaidosa e não me importei com uma trepada amiga de uma noite, ainda que nove anos mais nova. Acontece que a foda amiga me surpreendeu. Ele procurava os bicos dos meus seios e os chupava de uma forma, ora maternal, ora violenta, e eu só conseguia admirá-lo. Explorava cada parte de meu corpo, numa curiosidade que só me fazia querer mais. Toda aquela falta de experiência me reacendendo a libido. Uma preocupação latente de me satisfazer. Depois eram os papos que me surpreendiam. E eu me fazendo de bem resolvida, mas me condenando interiormente. Com um conservadorismo medíocre de “o que vão pensar de mim?”. E eu me fazendo de bem resolvida, mas me apaixonando por todo encanto da falta de pêlos do mancebo e toda aquela inteligência... E o menino, com um apetite que me deixava as pernas bambas. Até o dia em que tomei a coragem de perguntá-lo, após ter bebido alguns vinhos, se ele só queria me comer e ele respondeu: “quero seu sexo e suas palavras”. Comecei a amá-lo a partir desse momento. E fui correspondida. Hoje vivo um romance embriagado, antes por uma paixão prematura, que pelos copos virados de bebida.

domingo, 27 de maio de 2007

Que se chova!

No verão, desejamos o gelado. No inverno, o quente. No calor: sorvete, praia, ar condicionado, cerveja. Tudo bem geladinho, por favor. No frio: cobertas, casacos, café, aquecedor. Tudo bem quentinho, por favor. Frio demais, frio de menos. Calor de mais, calor de menos. Não há o meio termo, apenas a insatisfação. Seria o tempo, no sentido metereológico do termo, representativo dessa nossa necessidade de inaceitar o que é natural?! Uma inquietação própria de querer sair da condição que nos é imposta?! Não me venham com essa de aceitar de bom grado as dádivas divinas! Se assim fosse, agradeceríamos e aceitaríamos cordialmente as chuvas sejam chuviscos ou dilúvios, e os sóis, sejam fracos ou escaldantes. O tempo é representativo, a meu ver, de uma propriedade puramente humana de mau agradecimento. Chova ou faça sol, uns maus agradecidos.

domingo, 20 de maio de 2007

AdorAdor

A dor só dói quando dói. Depois que passa, é memória. Dói, dói e dói... E passa. E daí você se dá conta de que passou e você nem percebeu...

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Esmolar ou não

O ônibus parou no ponto. Uma pequena criatura surgiu na frente, como um foguete. Como um foguete, entranhou-se no ônibus. Pensei que com toda aquela energia, não parecia lhe faltar o leite cuja falta estava escrita num papel velho e mal escrito, distribuído aos passageiros. A mulher sentada a minha frente, uma conhecida de vista dos tempos de faculdade de História, perguntou ao pequenino quantos anos tinha: “sete”, ele respondeu. A mulher, respondeu com uma cara de espanto e nenhuma palavra. Resmungou, logo após, alguma coisa de “a mãe deve estar o esperando para recolher o dinheiro... Absurdo... Nesse frio...”. O trocador, sujeito com uma arcada dentária tão avantajada que parecia estar sempre sorrindo, ouviu e concordou, com todos aqueles dentes. E eu, catando todas as moedinhas possíveis para dar a esmola. A mulher era contra esmolas, certamente. Mas somos todos uns doadores de esmolas, concordando ou discordando. Ela provavelmente doa uma esmola diária à mãe, que espera ansiosamente que ela se forme. É assim: estudo que representa responsabilidade e construção de alicerces ou “ser alguém na vida” é a esmola social dela. A minha, pratinhas para a criança que deve esmolas a mãe que a alimenta. A corrida em direção ao sucesso é a esmola. O prestígio, o retorno merecido. Mas prestígio não é nada senão reconhecido pelos outros. São esses “outros” os recebedores de esmolas. E se eu, bem acomodada em meu assento, alimentada, aquecida, com moedinhas que não me farão falta, estou em posição de doar leite, que seja feita a minha vontade. Que eu “sirva” ao pequeno que serve à mãe. Somos todos uns servos. No entanto, o pior servo é aquele que não quer ver.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

"Vivendo e aprendendo a jogar

Vivendo e aprendendo a jogar
Nem sempre ganhando
Nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar"

Eu odiava futebol. Sempre com aquelas justificativas de “11 idiotas correndo atrás de uma bola”. Mudei. Duzentas pessoas dançando sob luzes piscantes é idiotice. Joguinhos de conquista é idiotice. Ir ao cinema e compartilhar emoções é idiotice. Discutir religião é idiotice, aliás, discussão é idiotice. Beber até cair é idiotice. A alegria sem motivos do carnaval é idiotice. E, no entanto, essas idiotices fazem parte de minha vida, sem que eu me culpe. São catarses. Alegrias que me dou de presente. Apaixonei-me pelo esporte bretão. Entendi a alegria de ser rubro-negra.

terça-feira, 1 de maio de 2007

A queda

Estava sentada no primeiro banco, frente à roleta do ônibus. Crianças sempre merecem meus olhares observadores. Uma delas adentrou no ônibus e foi passando por debaixo da roleta. No arranque do ônibus quase caiu. E teria caído caso não segurasse em mim. Eu aceitei cordialmente servir de apoio. E ela aceitou inocentemente meu braço. Uma pena que daqui a uns anos se tornará hesitante. Adultos são hesitantes. Hesitam tomar como apoio qualquer pessoa que lhe apareça pela frente. Não só hesitam como dispensam. É a ignorância da maturidade. É a predileção pela queda.

Só, por enquanto

Dedicado a Felipe Velloso, a companhia bem vinda.

Foi a primeira vez que me sentei sozinha em uma mesa de bar e pedi uma cerveja. “Quantos copos?” “Um só...” “Só um?!” “Sim...” “Por enquanto, né?!” “Assim espero...” Esse “por enquanto” faz toda a diferença. A sensação de necessidade é sempre angustiante. Igual quando a fome aperta a caminho de casa. Ou a vontade de ir ao banheiro. Ou a necessidade de tomar um banho. Ou o desejo pelo sexo. Ou mesmo aquele anseio de ir para casa, onde qualquer pouco conforto a olhos de outros, se transforma em muito quando você se sente “em casa”. Entretanto é reconfortante quando qualquer uma dessas necessidades pode ser saciada em questão de minutos ou horas. É reconfortante, ou ao menos deveria ser, reconhecer a possibilidade da satisfação. Ter fome “por enquanto”, estar apertado “por enquanto”, sentir excitação “por enquanto” e nesse caso, “durante” também, sentir-se só, “por enquanto”. “Raimundo, traz mais um copo, por favor”. Sorrio. Conforto de uma companhia bem vinda. Dispenso o “por enquanto” aqui.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Terapia volante

Antes eu só fazia em casa. Atendendo a um desejo angustiante, eu me punha a praticar. Bem mais confortável fazê-lo na liberdade do lar, quando qualquer ou quase qualquer outra vontade pode ser saciada antes que se volte à inicial. Agora eu faço em público. Sob os olhares curiosos e vez ou outra olhando para cima e observando quem (me) observa. A necessidade me impulsionou... Penso no pequeno trabalho que terei em digitar. Próxima Estação: Botafogo. Desembarque pelo lado esquerdo.

domingo, 22 de abril de 2007

Sapato velho

Certa vez, um de meus sapatos preferidos rasgou. Já era a segunda vez que isso se sucedia. Da primeira, indicada por uma fonte confiável, fui até um sapateiro que fez um trabalho que até então eu considerava muito bem feito, já que era quase imperceptível. Já na segunda, fui num conserto na esquina de casa mesmo. Só precisava de um reparo mal feito que durasse uma noite.... Assim que fui pegar de volta e percebi o trabalho que até então considerava mal feito porque estava tão visível a ponto de feio, comentei: “Nossa! Ficou feio, né?” E o consertador: “Pode até estar feio, mas não rasga nunca mais...” E ele dura até hoje...

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Mesa de bar

"O importante não é ler... O importante é meditar...." (Mendigo na Cinelândia)

Era mais uma mesa de bar. Era mais um mendigo. Antes mesmo que o pedinte desenvolvesse o discurso, aquele sentado à mesa comigo foi na defensiva dizendo que “tá ruim pra todo mundo...”. Foi interrompido pelo bêbado: “você nunca deve dizer que as coisa estão ruins... Tem coisa melhor que abrir os olhos e respirar?!” Tem?! Que consciência tola e bêbada e louca é essa?! Naquele momento refleti a respeito de meus insistentes e a cada dia mais renovados problemas pequeno-burgueses... Pensei em minhas necessidades pequenas... Nas minhas insatisfaçõezinhas... Indaguei-me se ele estava certo. Se o certo era não se lamentar de coisa alguma. Agradecer o fato de estar vivo. Em outra instância, perguntei-me que comodismo admirável é esse que se permite agradecer estar descalço, sujo e faminto, alcoólatra e morador de rua... Questionei quem estava certo: a jovem de vida confortável, na posição de bebedora de cerveja, ou o mendigo, tão miserável que faltava o que enumerar após a vírgula. Após algumas frases de impacto, o mendigo se retirou. Nós, não. Nem os nós que se fizeram em minha cabeça. Passado alguns minutos, retido os nós, voltei a “nós”, a minha cervejinha, ao papo descontraído, a discussão de filmes. Ele?! Voltou à miserabilidade de não ter o que pôr após da vírgula.

domingo, 15 de abril de 2007

Pouca beleza não é beleza

Dedicado aos poucos (e loucos?) que entendem o que falo... Ou não...

Eu vejo beleza no escancaramento, no desacreditamento, nas putarias e brigas de bar e veias abertas de Bukowski. Eu vejo beleza no detalhamento cuidadoso e minucioso da observação sensível e árdua da alma humana e na delineação de escritos que dão vontade de grudar no peito feito tatuagem de García Márquez. Eu vejo beleza na falta da pontuação tradicional, na escatologia, na genialidade de frases que fazem um absurdo sentido, no niilismo ciente de Saramago. Eu vejo beleza na dureza leve, nos Morangos Mofados, na criatividade precoce que se manteve até mais tarde de Caio Fernando Abreu. Eu vejo beleza na ousadia dura, na visão doentia da velhice, na relação minuciosa de revelar a bela natureza e a natural beleza de Virginia Woolf. Eu vejo beleza no que é revelado a cada soco de estômago de se reconhecer e reconhecer os outros (os outros, como os seus), da coragem, da aflição que faz acelerar a respiração na escrita de Dostoievski. Eu vejo beleza na obscuridade, no suspense vistoso, na sedução imperceptível da escrita de Rubem Fonseca. Eu vejo beleza na lucidez rara, na descoberta do sentido da vida numa ida ao supermercado, no envolvimento imediato, na brevidade que dura horas de Clarice Lispector. E vendo beleza nisso tudo, eu concluo que estou eternamente condenada... Que merda!

sexta-feira, 30 de março de 2007

Maior barato

Dedicado a Gilvan Irineu, amante da madrugada e do sarcasmo que muito me estimula(m).

Eu desprezo os anti-sociais. Aqueles que têm toda a ousadia de mandar ir à merda o simpático taxista que diz educada e alegremente, “bom dia!”. Que respondem com a indiferença à senhora que na fila do banco comenta “que tempo maluco, né?! Parece que vai chover...”. Que têm toda a coragem bukowiskana de insultar, desprezar, xingar, ignorar. Porque na maioria das vezes são pessoas sem motivos para amargura. Pessoas que acordam em sua cama de casal confortável, localizada no quarto confortável do apê confortável no Leblon, tomam banho no chuveiro-ducha trio com tubo de R$435,00, tomam aquele café da manhã reforçado preparado pela Margarida - a empregada-, muitas vezes alvo dos insultos, apanham o táxi pro trabalho e destratam o taxista, xingam a estagiária e por aí vai. Tudo na vida exige justificativa. Amargura também. Rir entre os dentes, fazer aquelas piadinhas lotadas de um sarcasmo desgostoso, sair xingando as pessoas por aí, se recusar a dar lugar à velhinha no ônibus... Tudo isso deve vir acompanhado de justificativas e justificativas plausíveis. Somos conduzidos a buscar os porquês das coisas, desde sempre. É o que naturalmente dirige a humanidade à evolução, não?! E os porquês da amargura, devem acompanhar esse processo. Um processo que deve ser árduo. Diferente de “O Processo” de transformação de barata, seguido de “sangue de barata” (qual a culpa da barata de o combate ser injusto e sermos mais rápidos que ela?! Que sentido tem essa expressão quando na verdade, a barata não quer morrer e luta contra a sua vida até ser acertada por uma Havaianas?). Enfim... Voltando as baratas, digo, aos amargurados, no fundo esses últimos se assemelham profundamente aos insetos desprezíveis. Com a dureza da vida, lutam, correm, e quando alados, voam por aí para não serem pegos, se defendendo com a acidez por serem desgostosos. E têm os desgostosos sem explicação, como no caso do morador do apê de Manoel Carlos. Até serem acertados e fingirem-se de mortos com a chance de redenção. Creio eu, que as Havaianas selam um caminho sem volta na maioria dos casos. Já vão tarde! Insetos desprezíveis...

terça-feira, 27 de março de 2007

Sorte Grande (dia 2)

Hoje fiz pesquisa de campo. Lá fui eu jogar Paciência e lembrei ou forjei uma justificativa que fomentasse minha falta de apreço pelo jogo, além da já citada falta de paciência e etc. Percebi que é antes antipatia que resignação, já que Paciência é quase um Freecell às avessas, ou vice-versa. Assim que você vence, bum, bum, bum... Fogos... Acompanhado da intrigante e instigante janelinha, idêntica ao do Freecell, “parabéns, você ganhou! Deseja iniciar outro jogo?!”. Os fogos: os culpados. Quase nunca na vida, ao vencer, você é agraciado com fogos. E toda essa festa de “vencedor”. Um parabéns aqui, uma congratulação acolá e logo depois, “deseja iniciar outro jogo?”, já que imediatamente após vencer, você precisa se arriscar novamente e desejar se superar até uma perfeição que nunca vai alcançar, ainda que você passe a vida ciente disso. Freecell é um jogo mais realista. “Ok! Você venceu! E agora?! Mais umazinha?! Vamos lá! Quem não arrisca, não petisca...”

quarta-feira, 21 de março de 2007

Um pouco de história


Aprecio a ação de se resgatar patrimônios históricos, quando esses, caindo as pedaços, causam desconforto a quem tem um mínimo de apreço ao que é um legado, a algo com representatividade histórica, reflexo do que não deve ser esquecido no tempo, o que não deve morrer com as lembranças. E portanto, é admirável vermos o processo de restauração, seja ele lento e represente uma imagem não muito bonita de se ver durante algum tempo, já que a fachada do local fica coberta de andaimes e telas protetoras. É provável que o local a ser restaurado represente algum incômodo para os pedestres. A recompensa vem quando a restauração é concluída, e nos deparamos com a beleza de um prédio que anteriormente poderia não ser olhado com muita atenção.
Sugiro a restauração dos mendigos, portanto. Que seja feita uma pesquisa até o estágio de degradação a qual chegou o indivíduo. Que se estude todo o patrimônio antes que a sua fachada tenha se reduzido a uma mera fachada deplorável, feia e suja. Já posso ver a revolução que seria. O senhor pedinte da esquina se transformando no retirante sonhador, o coroa fedido a cachaça, voltando a ser um jovem pedreiro, o adolescente cheirador de cola voltando a ser aquela criança sonhadora, fugido de casa pelos problemas estruturais de família. Até que a pele se transformasse em algo bonito de se ver novamente e que os passantes, se sentissem convidados a entrar na nova fachada, até que o odor fosse tão agradável a ponto de se respirar fundo ao lado. E que a vida fosse devolvida a eles, por conta das bases seguras, firmes, limpas e belas.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Una ligación con Bukowski

– Buk?
– Ele.
– Como foi seu dia, velho?
– A mesma ladainha de sempre. Minhas unhas estão grandes... Preciso cortá-las. Fui ao hipódromo, tomei uns tragos, tropecei no maldito tapete na porta de casa...
– Eu, nada demais... Cortei as minhas na semana passada e eu lembro muito bem quando você diz que apesar de todo o sofrimento e violência e acidentes geográficos....
– Eu odeio quando você me cita!
– É inevitável.... Quando não é você, é Nelson Rodrigues... E outros mais... Tenho que reproduzir o que fazem de bom e dessa forma, parecer inteligente...
– Que merda! Vai produzir ao invés de ficar ruminando toda essa porcaria... É por isso que aquele idiota repórter me fez repetir o nome de Jonh Fante umas três vezes antes de aceitar que eu o tinha como o melhor escritor de nossos tempos... Vocês acham mesmo que só os clássicos servem de alguma coisa, né?! Somos treinados pra isso... Empinar o nariz pra qualquer coisa que cheire a novo... Mas que porra é essa de clássico?! Legado?! Veja bem, até a “gente” é mecanizada hoje em dia...
– Eu sei que não devo me importar com isso e.....
– É isso! A geração que se importa demais! Calça Lee, AIDS, música pop... Isso é realmente muito preocupante!
Silêncio
– Eu sei, eu sei.... É que somos filhos disso..
– Vocês são uns belos filhos da puta, isso sim! Veja bem, a revolução é “revoluçaum”, hoje em dia...
– E o que tem?!
– O que tem?! É que tudo isso não serve pra absolutamente nada...
– Mas você mesmo adotou o computador, abandonando a máquina de escrever...
– E daí?! E o que uma coisa tem a ver com a outra?!
– Apropriações da modernidade, porra!
– É claro... É muito mais prático... Você queria mesmo que eu continuasse com a velha barulhenta quando tudo se resume a apertar um botão quando se comete um erro?!
– Ok. Vou dormir... Você está bêbado.
– Sim... E você se importa?! Vamos lá... Não sou apenas um bebedor de cerveja...
– Eu sei.... Eu sei que significa muito ser filha do Bukowski. Eu te amo e te odeio. Já pulei contos seus, sabia?! Alguns tão doentios que não conseguia sequer passar da terceira linha. Mas eu não reclamo, já que a maior parte do tempo eu te amo. Sei lá quem o foi o sábio quem disse que amor e ódio caminhavam juntos... Foi Deus?! Ouvi dizer que Ele disse coisas sábias... Mas eu não consigo ser tão bem resolvida quanto você. Eu realmente sou clichê e sensível e raramente digna de pena. Agora vou me deitar. Cuide-se. Eu odeio te amar... Sei lá... Tentei construir uma frase que resumisse os dois sentimentos...
– Boa noite e quando aparecer traga uma garrafa de um bom vinho e sua falta de resolução.

sábado, 17 de março de 2007

Contido e não contido

Meu choro deu pra ser contido... Uma coisa meio atriz de novela e não a mexicana. Uma coisa silenciosa. Sinto as lágrimas escorrendo, o nariz entupindo e nada mais. Sem soluço, sem suspiro de pesar, sem som. O som que tanto me dói quando vem de pessoas que amo. Aquele aperto no peito, aquele nó na garganta e nada mais. Sem escândalo, sem gritos, sem “onomatopéias” de dor. Quase todo dia. Eu pedi demissão, tranquei faculdade, meu namorado me largou. E o choro continua contido. Penso que poderia ser pior. Eu poderia estar desempregada e sem namorado... Ops! Por outro lado, meu riso também é contido hoje em dia. Nada de gargalhadas. Nada de chorar de rir. E se eu chorasse de rir, seria algo duplamente contido: pelo choro e pelo riso. Sabe aquele riso por consolação?! Que quando você ri, parece que se permite aquilo pras coisas não parecerem piores que já estão?! Então... Minhas brigas deram para serem contidas. Sem palavrões, sem berros, sem jogar objetos pelos ares. Meu canto deu pra ser contido. Acho que nem espanta os males, de tão baixo. Minha dança, minha transa... Tudo muito contido, discreto, sereno, calmo. Eu sonho com o dia em que meu mundo será esporrento. Que eu goze do mundo de uma forma esporrenta. Toda a porra saindo de uma forma escandalosa. Esbanjando e gozando. Até que essa maneira seja a maneira contida na maneira de se sentir as coisas.

sexta-feira, 16 de março de 2007

Sorte grande

Hoje foi um dia de trabalho árduo... Resolvi questões concernentes ao jogo Freecell no computador, tentando bater meu record (de quantas vezes seguidas conseguia vencê-lo), me sentindo tão esperto a cada nova vitória. Pensava: “quantas pessoas no mundo conseguem ganhar um jogo desses?! Sim! Não é um jogo tão simples. Você precisa no mínimo de concentração, mínimo de destreza e ousadia. Mas é claro! Ousadia para arriscar podendo colocar sua vitória à prova assim que aparece a mensagem terrível de que o jogo acabou. Realmente muito terrível, realmente muito esperto...” Meus dias quase se resumem a isso. Vez ou outra volto ao “Paciência”, mas com o perdão do trocadilho tão exaustivamente feito, me falta paciência para jogá-lo. Meu negócio é mesmo com o Freecell e a comida e a novela. Pois é. Dei agora pra assistir novela. Veja bem, eu, beirando os trinta anos e vendo novela. Uma barriga que começa a salientar, o botão da calça que eu anseio por abrir depois que como o delicioso jantar preparado por minha mãe. É. Moro com meus pais. Dois velhinhos classe média, com síndrome que eu chamo de “Allan Kardec”, que se manifesta a cada vez que eles tentam decifrar o que acontecerá com a personagem da novela, o ladrão do filme, a coitada que chora as mágoas do marido agressor no programa de baixaria. É uma vontade de traduzir toda a mediunidade deles falando com a televisão. Vez ou outra sai uma discussão, quando eles discordam. Essa é hora em que eu volto pro Freecell. Irônico. Fui procurar o que significava “cell”, pra fazer a unção e descobrir a tradução de meu vício. “Cell” é 1) cela ou 2) célula. Gostei do primeiro. Sabendo que “free” é livre, cela-livre é um paradoxo bacana. Acho que se enquadra bem ao meu quadro porque eu vejo tudo enquadrado. Acho que se enquadra bem ao “nosso” quadro. No fim das contas não estamos mesmo em celas-livres? Cada um vivendo em sua. Com o direito de ir e vir, mas dando duro pra pagar as prestações do celular de última geração. Com a livre expressão, mas engolindo seco pra não ser despedido. Com o livre arbítrio, mas orientando as vontades pra vencer na vida, ou “mostrar” pros outros que venceu na vida. As células acho que são as únicas que continuam verdadeiramente livres. E do jeito que as coisas vão, não por muito tempo. (Pausa para breve reflexão...Volto ao Freecell).