sexta-feira, 27 de abril de 2007

Terapia volante

Antes eu só fazia em casa. Atendendo a um desejo angustiante, eu me punha a praticar. Bem mais confortável fazê-lo na liberdade do lar, quando qualquer ou quase qualquer outra vontade pode ser saciada antes que se volte à inicial. Agora eu faço em público. Sob os olhares curiosos e vez ou outra olhando para cima e observando quem (me) observa. A necessidade me impulsionou... Penso no pequeno trabalho que terei em digitar. Próxima Estação: Botafogo. Desembarque pelo lado esquerdo.

domingo, 22 de abril de 2007

Sapato velho

Certa vez, um de meus sapatos preferidos rasgou. Já era a segunda vez que isso se sucedia. Da primeira, indicada por uma fonte confiável, fui até um sapateiro que fez um trabalho que até então eu considerava muito bem feito, já que era quase imperceptível. Já na segunda, fui num conserto na esquina de casa mesmo. Só precisava de um reparo mal feito que durasse uma noite.... Assim que fui pegar de volta e percebi o trabalho que até então considerava mal feito porque estava tão visível a ponto de feio, comentei: “Nossa! Ficou feio, né?” E o consertador: “Pode até estar feio, mas não rasga nunca mais...” E ele dura até hoje...

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Mesa de bar

"O importante não é ler... O importante é meditar...." (Mendigo na Cinelândia)

Era mais uma mesa de bar. Era mais um mendigo. Antes mesmo que o pedinte desenvolvesse o discurso, aquele sentado à mesa comigo foi na defensiva dizendo que “tá ruim pra todo mundo...”. Foi interrompido pelo bêbado: “você nunca deve dizer que as coisa estão ruins... Tem coisa melhor que abrir os olhos e respirar?!” Tem?! Que consciência tola e bêbada e louca é essa?! Naquele momento refleti a respeito de meus insistentes e a cada dia mais renovados problemas pequeno-burgueses... Pensei em minhas necessidades pequenas... Nas minhas insatisfaçõezinhas... Indaguei-me se ele estava certo. Se o certo era não se lamentar de coisa alguma. Agradecer o fato de estar vivo. Em outra instância, perguntei-me que comodismo admirável é esse que se permite agradecer estar descalço, sujo e faminto, alcoólatra e morador de rua... Questionei quem estava certo: a jovem de vida confortável, na posição de bebedora de cerveja, ou o mendigo, tão miserável que faltava o que enumerar após a vírgula. Após algumas frases de impacto, o mendigo se retirou. Nós, não. Nem os nós que se fizeram em minha cabeça. Passado alguns minutos, retido os nós, voltei a “nós”, a minha cervejinha, ao papo descontraído, a discussão de filmes. Ele?! Voltou à miserabilidade de não ter o que pôr após da vírgula.

domingo, 15 de abril de 2007

Pouca beleza não é beleza

Dedicado aos poucos (e loucos?) que entendem o que falo... Ou não...

Eu vejo beleza no escancaramento, no desacreditamento, nas putarias e brigas de bar e veias abertas de Bukowski. Eu vejo beleza no detalhamento cuidadoso e minucioso da observação sensível e árdua da alma humana e na delineação de escritos que dão vontade de grudar no peito feito tatuagem de García Márquez. Eu vejo beleza na falta da pontuação tradicional, na escatologia, na genialidade de frases que fazem um absurdo sentido, no niilismo ciente de Saramago. Eu vejo beleza na dureza leve, nos Morangos Mofados, na criatividade precoce que se manteve até mais tarde de Caio Fernando Abreu. Eu vejo beleza na ousadia dura, na visão doentia da velhice, na relação minuciosa de revelar a bela natureza e a natural beleza de Virginia Woolf. Eu vejo beleza no que é revelado a cada soco de estômago de se reconhecer e reconhecer os outros (os outros, como os seus), da coragem, da aflição que faz acelerar a respiração na escrita de Dostoievski. Eu vejo beleza na obscuridade, no suspense vistoso, na sedução imperceptível da escrita de Rubem Fonseca. Eu vejo beleza na lucidez rara, na descoberta do sentido da vida numa ida ao supermercado, no envolvimento imediato, na brevidade que dura horas de Clarice Lispector. E vendo beleza nisso tudo, eu concluo que estou eternamente condenada... Que merda!