sexta-feira, 30 de março de 2007

Maior barato

Dedicado a Gilvan Irineu, amante da madrugada e do sarcasmo que muito me estimula(m).

Eu desprezo os anti-sociais. Aqueles que têm toda a ousadia de mandar ir à merda o simpático taxista que diz educada e alegremente, “bom dia!”. Que respondem com a indiferença à senhora que na fila do banco comenta “que tempo maluco, né?! Parece que vai chover...”. Que têm toda a coragem bukowiskana de insultar, desprezar, xingar, ignorar. Porque na maioria das vezes são pessoas sem motivos para amargura. Pessoas que acordam em sua cama de casal confortável, localizada no quarto confortável do apê confortável no Leblon, tomam banho no chuveiro-ducha trio com tubo de R$435,00, tomam aquele café da manhã reforçado preparado pela Margarida - a empregada-, muitas vezes alvo dos insultos, apanham o táxi pro trabalho e destratam o taxista, xingam a estagiária e por aí vai. Tudo na vida exige justificativa. Amargura também. Rir entre os dentes, fazer aquelas piadinhas lotadas de um sarcasmo desgostoso, sair xingando as pessoas por aí, se recusar a dar lugar à velhinha no ônibus... Tudo isso deve vir acompanhado de justificativas e justificativas plausíveis. Somos conduzidos a buscar os porquês das coisas, desde sempre. É o que naturalmente dirige a humanidade à evolução, não?! E os porquês da amargura, devem acompanhar esse processo. Um processo que deve ser árduo. Diferente de “O Processo” de transformação de barata, seguido de “sangue de barata” (qual a culpa da barata de o combate ser injusto e sermos mais rápidos que ela?! Que sentido tem essa expressão quando na verdade, a barata não quer morrer e luta contra a sua vida até ser acertada por uma Havaianas?). Enfim... Voltando as baratas, digo, aos amargurados, no fundo esses últimos se assemelham profundamente aos insetos desprezíveis. Com a dureza da vida, lutam, correm, e quando alados, voam por aí para não serem pegos, se defendendo com a acidez por serem desgostosos. E têm os desgostosos sem explicação, como no caso do morador do apê de Manoel Carlos. Até serem acertados e fingirem-se de mortos com a chance de redenção. Creio eu, que as Havaianas selam um caminho sem volta na maioria dos casos. Já vão tarde! Insetos desprezíveis...

terça-feira, 27 de março de 2007

Sorte Grande (dia 2)

Hoje fiz pesquisa de campo. Lá fui eu jogar Paciência e lembrei ou forjei uma justificativa que fomentasse minha falta de apreço pelo jogo, além da já citada falta de paciência e etc. Percebi que é antes antipatia que resignação, já que Paciência é quase um Freecell às avessas, ou vice-versa. Assim que você vence, bum, bum, bum... Fogos... Acompanhado da intrigante e instigante janelinha, idêntica ao do Freecell, “parabéns, você ganhou! Deseja iniciar outro jogo?!”. Os fogos: os culpados. Quase nunca na vida, ao vencer, você é agraciado com fogos. E toda essa festa de “vencedor”. Um parabéns aqui, uma congratulação acolá e logo depois, “deseja iniciar outro jogo?”, já que imediatamente após vencer, você precisa se arriscar novamente e desejar se superar até uma perfeição que nunca vai alcançar, ainda que você passe a vida ciente disso. Freecell é um jogo mais realista. “Ok! Você venceu! E agora?! Mais umazinha?! Vamos lá! Quem não arrisca, não petisca...”

quarta-feira, 21 de março de 2007

Um pouco de história


Aprecio a ação de se resgatar patrimônios históricos, quando esses, caindo as pedaços, causam desconforto a quem tem um mínimo de apreço ao que é um legado, a algo com representatividade histórica, reflexo do que não deve ser esquecido no tempo, o que não deve morrer com as lembranças. E portanto, é admirável vermos o processo de restauração, seja ele lento e represente uma imagem não muito bonita de se ver durante algum tempo, já que a fachada do local fica coberta de andaimes e telas protetoras. É provável que o local a ser restaurado represente algum incômodo para os pedestres. A recompensa vem quando a restauração é concluída, e nos deparamos com a beleza de um prédio que anteriormente poderia não ser olhado com muita atenção.
Sugiro a restauração dos mendigos, portanto. Que seja feita uma pesquisa até o estágio de degradação a qual chegou o indivíduo. Que se estude todo o patrimônio antes que a sua fachada tenha se reduzido a uma mera fachada deplorável, feia e suja. Já posso ver a revolução que seria. O senhor pedinte da esquina se transformando no retirante sonhador, o coroa fedido a cachaça, voltando a ser um jovem pedreiro, o adolescente cheirador de cola voltando a ser aquela criança sonhadora, fugido de casa pelos problemas estruturais de família. Até que a pele se transformasse em algo bonito de se ver novamente e que os passantes, se sentissem convidados a entrar na nova fachada, até que o odor fosse tão agradável a ponto de se respirar fundo ao lado. E que a vida fosse devolvida a eles, por conta das bases seguras, firmes, limpas e belas.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Una ligación con Bukowski

– Buk?
– Ele.
– Como foi seu dia, velho?
– A mesma ladainha de sempre. Minhas unhas estão grandes... Preciso cortá-las. Fui ao hipódromo, tomei uns tragos, tropecei no maldito tapete na porta de casa...
– Eu, nada demais... Cortei as minhas na semana passada e eu lembro muito bem quando você diz que apesar de todo o sofrimento e violência e acidentes geográficos....
– Eu odeio quando você me cita!
– É inevitável.... Quando não é você, é Nelson Rodrigues... E outros mais... Tenho que reproduzir o que fazem de bom e dessa forma, parecer inteligente...
– Que merda! Vai produzir ao invés de ficar ruminando toda essa porcaria... É por isso que aquele idiota repórter me fez repetir o nome de Jonh Fante umas três vezes antes de aceitar que eu o tinha como o melhor escritor de nossos tempos... Vocês acham mesmo que só os clássicos servem de alguma coisa, né?! Somos treinados pra isso... Empinar o nariz pra qualquer coisa que cheire a novo... Mas que porra é essa de clássico?! Legado?! Veja bem, até a “gente” é mecanizada hoje em dia...
– Eu sei que não devo me importar com isso e.....
– É isso! A geração que se importa demais! Calça Lee, AIDS, música pop... Isso é realmente muito preocupante!
Silêncio
– Eu sei, eu sei.... É que somos filhos disso..
– Vocês são uns belos filhos da puta, isso sim! Veja bem, a revolução é “revoluçaum”, hoje em dia...
– E o que tem?!
– O que tem?! É que tudo isso não serve pra absolutamente nada...
– Mas você mesmo adotou o computador, abandonando a máquina de escrever...
– E daí?! E o que uma coisa tem a ver com a outra?!
– Apropriações da modernidade, porra!
– É claro... É muito mais prático... Você queria mesmo que eu continuasse com a velha barulhenta quando tudo se resume a apertar um botão quando se comete um erro?!
– Ok. Vou dormir... Você está bêbado.
– Sim... E você se importa?! Vamos lá... Não sou apenas um bebedor de cerveja...
– Eu sei.... Eu sei que significa muito ser filha do Bukowski. Eu te amo e te odeio. Já pulei contos seus, sabia?! Alguns tão doentios que não conseguia sequer passar da terceira linha. Mas eu não reclamo, já que a maior parte do tempo eu te amo. Sei lá quem o foi o sábio quem disse que amor e ódio caminhavam juntos... Foi Deus?! Ouvi dizer que Ele disse coisas sábias... Mas eu não consigo ser tão bem resolvida quanto você. Eu realmente sou clichê e sensível e raramente digna de pena. Agora vou me deitar. Cuide-se. Eu odeio te amar... Sei lá... Tentei construir uma frase que resumisse os dois sentimentos...
– Boa noite e quando aparecer traga uma garrafa de um bom vinho e sua falta de resolução.

sábado, 17 de março de 2007

Contido e não contido

Meu choro deu pra ser contido... Uma coisa meio atriz de novela e não a mexicana. Uma coisa silenciosa. Sinto as lágrimas escorrendo, o nariz entupindo e nada mais. Sem soluço, sem suspiro de pesar, sem som. O som que tanto me dói quando vem de pessoas que amo. Aquele aperto no peito, aquele nó na garganta e nada mais. Sem escândalo, sem gritos, sem “onomatopéias” de dor. Quase todo dia. Eu pedi demissão, tranquei faculdade, meu namorado me largou. E o choro continua contido. Penso que poderia ser pior. Eu poderia estar desempregada e sem namorado... Ops! Por outro lado, meu riso também é contido hoje em dia. Nada de gargalhadas. Nada de chorar de rir. E se eu chorasse de rir, seria algo duplamente contido: pelo choro e pelo riso. Sabe aquele riso por consolação?! Que quando você ri, parece que se permite aquilo pras coisas não parecerem piores que já estão?! Então... Minhas brigas deram para serem contidas. Sem palavrões, sem berros, sem jogar objetos pelos ares. Meu canto deu pra ser contido. Acho que nem espanta os males, de tão baixo. Minha dança, minha transa... Tudo muito contido, discreto, sereno, calmo. Eu sonho com o dia em que meu mundo será esporrento. Que eu goze do mundo de uma forma esporrenta. Toda a porra saindo de uma forma escandalosa. Esbanjando e gozando. Até que essa maneira seja a maneira contida na maneira de se sentir as coisas.

sexta-feira, 16 de março de 2007

Sorte grande

Hoje foi um dia de trabalho árduo... Resolvi questões concernentes ao jogo Freecell no computador, tentando bater meu record (de quantas vezes seguidas conseguia vencê-lo), me sentindo tão esperto a cada nova vitória. Pensava: “quantas pessoas no mundo conseguem ganhar um jogo desses?! Sim! Não é um jogo tão simples. Você precisa no mínimo de concentração, mínimo de destreza e ousadia. Mas é claro! Ousadia para arriscar podendo colocar sua vitória à prova assim que aparece a mensagem terrível de que o jogo acabou. Realmente muito terrível, realmente muito esperto...” Meus dias quase se resumem a isso. Vez ou outra volto ao “Paciência”, mas com o perdão do trocadilho tão exaustivamente feito, me falta paciência para jogá-lo. Meu negócio é mesmo com o Freecell e a comida e a novela. Pois é. Dei agora pra assistir novela. Veja bem, eu, beirando os trinta anos e vendo novela. Uma barriga que começa a salientar, o botão da calça que eu anseio por abrir depois que como o delicioso jantar preparado por minha mãe. É. Moro com meus pais. Dois velhinhos classe média, com síndrome que eu chamo de “Allan Kardec”, que se manifesta a cada vez que eles tentam decifrar o que acontecerá com a personagem da novela, o ladrão do filme, a coitada que chora as mágoas do marido agressor no programa de baixaria. É uma vontade de traduzir toda a mediunidade deles falando com a televisão. Vez ou outra sai uma discussão, quando eles discordam. Essa é hora em que eu volto pro Freecell. Irônico. Fui procurar o que significava “cell”, pra fazer a unção e descobrir a tradução de meu vício. “Cell” é 1) cela ou 2) célula. Gostei do primeiro. Sabendo que “free” é livre, cela-livre é um paradoxo bacana. Acho que se enquadra bem ao meu quadro porque eu vejo tudo enquadrado. Acho que se enquadra bem ao “nosso” quadro. No fim das contas não estamos mesmo em celas-livres? Cada um vivendo em sua. Com o direito de ir e vir, mas dando duro pra pagar as prestações do celular de última geração. Com a livre expressão, mas engolindo seco pra não ser despedido. Com o livre arbítrio, mas orientando as vontades pra vencer na vida, ou “mostrar” pros outros que venceu na vida. As células acho que são as únicas que continuam verdadeiramente livres. E do jeito que as coisas vão, não por muito tempo. (Pausa para breve reflexão...Volto ao Freecell).