domingo, 27 de maio de 2007

Que se chova!

No verão, desejamos o gelado. No inverno, o quente. No calor: sorvete, praia, ar condicionado, cerveja. Tudo bem geladinho, por favor. No frio: cobertas, casacos, café, aquecedor. Tudo bem quentinho, por favor. Frio demais, frio de menos. Calor de mais, calor de menos. Não há o meio termo, apenas a insatisfação. Seria o tempo, no sentido metereológico do termo, representativo dessa nossa necessidade de inaceitar o que é natural?! Uma inquietação própria de querer sair da condição que nos é imposta?! Não me venham com essa de aceitar de bom grado as dádivas divinas! Se assim fosse, agradeceríamos e aceitaríamos cordialmente as chuvas sejam chuviscos ou dilúvios, e os sóis, sejam fracos ou escaldantes. O tempo é representativo, a meu ver, de uma propriedade puramente humana de mau agradecimento. Chova ou faça sol, uns maus agradecidos.

domingo, 20 de maio de 2007

AdorAdor

A dor só dói quando dói. Depois que passa, é memória. Dói, dói e dói... E passa. E daí você se dá conta de que passou e você nem percebeu...

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Esmolar ou não

O ônibus parou no ponto. Uma pequena criatura surgiu na frente, como um foguete. Como um foguete, entranhou-se no ônibus. Pensei que com toda aquela energia, não parecia lhe faltar o leite cuja falta estava escrita num papel velho e mal escrito, distribuído aos passageiros. A mulher sentada a minha frente, uma conhecida de vista dos tempos de faculdade de História, perguntou ao pequenino quantos anos tinha: “sete”, ele respondeu. A mulher, respondeu com uma cara de espanto e nenhuma palavra. Resmungou, logo após, alguma coisa de “a mãe deve estar o esperando para recolher o dinheiro... Absurdo... Nesse frio...”. O trocador, sujeito com uma arcada dentária tão avantajada que parecia estar sempre sorrindo, ouviu e concordou, com todos aqueles dentes. E eu, catando todas as moedinhas possíveis para dar a esmola. A mulher era contra esmolas, certamente. Mas somos todos uns doadores de esmolas, concordando ou discordando. Ela provavelmente doa uma esmola diária à mãe, que espera ansiosamente que ela se forme. É assim: estudo que representa responsabilidade e construção de alicerces ou “ser alguém na vida” é a esmola social dela. A minha, pratinhas para a criança que deve esmolas a mãe que a alimenta. A corrida em direção ao sucesso é a esmola. O prestígio, o retorno merecido. Mas prestígio não é nada senão reconhecido pelos outros. São esses “outros” os recebedores de esmolas. E se eu, bem acomodada em meu assento, alimentada, aquecida, com moedinhas que não me farão falta, estou em posição de doar leite, que seja feita a minha vontade. Que eu “sirva” ao pequeno que serve à mãe. Somos todos uns servos. No entanto, o pior servo é aquele que não quer ver.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

"Vivendo e aprendendo a jogar

Vivendo e aprendendo a jogar
Nem sempre ganhando
Nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar"

Eu odiava futebol. Sempre com aquelas justificativas de “11 idiotas correndo atrás de uma bola”. Mudei. Duzentas pessoas dançando sob luzes piscantes é idiotice. Joguinhos de conquista é idiotice. Ir ao cinema e compartilhar emoções é idiotice. Discutir religião é idiotice, aliás, discussão é idiotice. Beber até cair é idiotice. A alegria sem motivos do carnaval é idiotice. E, no entanto, essas idiotices fazem parte de minha vida, sem que eu me culpe. São catarses. Alegrias que me dou de presente. Apaixonei-me pelo esporte bretão. Entendi a alegria de ser rubro-negra.

terça-feira, 1 de maio de 2007

A queda

Estava sentada no primeiro banco, frente à roleta do ônibus. Crianças sempre merecem meus olhares observadores. Uma delas adentrou no ônibus e foi passando por debaixo da roleta. No arranque do ônibus quase caiu. E teria caído caso não segurasse em mim. Eu aceitei cordialmente servir de apoio. E ela aceitou inocentemente meu braço. Uma pena que daqui a uns anos se tornará hesitante. Adultos são hesitantes. Hesitam tomar como apoio qualquer pessoa que lhe apareça pela frente. Não só hesitam como dispensam. É a ignorância da maturidade. É a predileção pela queda.

Só, por enquanto

Dedicado a Felipe Velloso, a companhia bem vinda.

Foi a primeira vez que me sentei sozinha em uma mesa de bar e pedi uma cerveja. “Quantos copos?” “Um só...” “Só um?!” “Sim...” “Por enquanto, né?!” “Assim espero...” Esse “por enquanto” faz toda a diferença. A sensação de necessidade é sempre angustiante. Igual quando a fome aperta a caminho de casa. Ou a vontade de ir ao banheiro. Ou a necessidade de tomar um banho. Ou o desejo pelo sexo. Ou mesmo aquele anseio de ir para casa, onde qualquer pouco conforto a olhos de outros, se transforma em muito quando você se sente “em casa”. Entretanto é reconfortante quando qualquer uma dessas necessidades pode ser saciada em questão de minutos ou horas. É reconfortante, ou ao menos deveria ser, reconhecer a possibilidade da satisfação. Ter fome “por enquanto”, estar apertado “por enquanto”, sentir excitação “por enquanto” e nesse caso, “durante” também, sentir-se só, “por enquanto”. “Raimundo, traz mais um copo, por favor”. Sorrio. Conforto de uma companhia bem vinda. Dispenso o “por enquanto” aqui.